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Córdoba, 1918
Publicado no Jornal do Commercio, no dia 25 de agosto de 2018
1918, 1968, 2018. Separadas por intervalos de 50 anos, essas datas marcam mudanças disruptivas nas relações entre a universidade e a sociedade. Em cada uma delas, a universidade pública afirmou que só pode exercer sua autonomia plena e contribuir para o progresso social em ambientes democráticos. Assim foi em1918 quando,na cidade de Córdoba, Argentina, os estudantes ocuparam a universidade e iniciaram o que veio a se chamar a Reforma Universitária em “Nuestra América”, como o poeta cubano José Martí chamou o nosso continente. Para a historiadora Natalia Bustelo, naquele momento de transição entre os governos oligárquicos e os democráticos, os estudantes argentinos queriam participar dos destinos da universidade e já reivindicavam ensino gratuito, alocação de bolsas de estudo, melhoria na qualidade dos professores e sua contratação por concursos, ampliação do acesso ao ensino superior público e um programa de extensão que integrasse os saberes acadêmicos e sociais. Em junho de 2018, ocorreu na Universidade Nacional de Córdoba a III Conferência Regional de Educação Superior, sob o patrocínio da ONU. Um século depois, foram reafirmados os princípios de 1918.
Ratificou-se a importância estratégica da educação superior pública e o papel da universidade na formação profissional de qualidade e cidadã, contribuindo para projetos de desenvolvimento inclusivos e solidários. Entre 1918 e 2018, ocorreu o “Maio de 1968”, período em que eclodiram, a partir de Paris e depois em tantos outros lugares do mundo, manifestações estudantis antiautoritárias, mudando de vez a forma como a juventude concebia a cultura e a política. Apesar de tantas diferenças contextuais, uma linha conecta os acontecimentos na Argentina, na França e o tempo presente. Principalmente a ideia de que, como registra a declaração da conferência de Córdoba, o acesso, o uso e a democratização do conhecimento é um bem coletivo e estratégico, indispensável para garantir a cidadania plena e a emancipação social. Cem anos depois, a Declaração de Córdoba nos lembra de que a questão da autonomia é cada vez mais atual.
A educação, a ciência, a tecnologia e as artes promovidas pelas universidades públicas são fundamentais para a promoção da liberdade e da igualdade, independentemente da classe social, dos gêneros, das etnias, das crenças religiosas ou outras formas de distinção. No momento em que o Brasil vive um período eleitoral, sempre propício para a discussão dos caminhos que a sociedade pretende trilhar, vale repetir o que já diziam os jovens de Córdoba em 1918: a universidade pública autônoma é essencial para construir uma nação independente e solidária.
Anísio Brasileiro é reitor da UFPE